joão silvério trevisan

Existem alguns JST no mesmo cidadão João Silvério Trevisan.

JST Existe o homosexual de vanguarda que esteve à frente e vivenciou momentos históricos da construção da nosssa  identidade onde tudo, de fato, aconteceu. João morou um bom par de anos nos Estados Unidos na fase mais efervescente do movimento gay norte-americano.

Existe o militante histórico, do qual tive a honra e o prazer de compartilhar a participação num dos 1ºs grupos organizados para a defesa dos direitos homossexuais, o carioca-paulistano SOMOS inspirado no lendário grupo argentino.

Eu, um pirralho curioso e ele já uma liderança intelectual, inteligente e debochada que, com sabedoria e contundência, desafiava a ortodoxia da esquerda que nos queria à reboque das lutas políticas mais urgentes (ou seja, os viados sempre tomando no rabo!).

Existe, depois, o ex-militante engajado mas pensador e mobilizador político atuante e independente que nunca se negou a estar presente, ajudando e intercendendo, em qualquer situação que homossexuais, principalmente os mais anônimos e hostilizados por familiares, eram humilhados pelo aparato policial (para os mais novos o que parece quase uma lenda, na época, era a coisa mais comum e corriqueira).

Existe, quase paralelo a tudo isso, o João escritor que, mesmo ignorado pela crítica e editoras, continou a publicar seus romances de temática homossexual, seus ensaios iluminadores e que se viu consagrado por dois trabalhos históricos: o romance “Ana em Veneza”, premiado com o importante Jabuti e o ensaio fundamental e definitivo “Devassos no Paraíso”, radiografia precisa e preciosa da história da homossexualidade brasileira desde o descobrimento até a contemporaneidade.trevisan

João também, generoso, foi coordenador de diversas oficinas de literatura pelo país, ensinando jovens escritores os ofícios e a disciplina necessária para a profissão. Ainda ,aqui e ali, escreveu poesias,contos, roteiros para filmes nunca produzidos, etc.

João, no entanto, ficou mais conhecido do grande público gay como colaborador regular das publicações GLS que surgiram no Brasil na década de 80 em diante. Foi editor do histórico Lampião, único jornal gay já publicado e depois colunista das revistas Sui-Generis, já extinta, e na G Magazine onde escreve até hoje.

Como é natural do humano, João envelheceu. Hoje já é um senhor dos seus 60 anos.Da mesma geração dos tropicalistas e da esquerda revolucionária que sonhou transformar o Brasill numa república socialista e marxista, Por isso, como todos que viveram um sonho que não se realizou, carrega uma certo travo amargo nas suas opiniões e reflexões. Um certo desapontamento em analisar os (des)caminhos da mobilização GLBT brasileira.

Não sem razão, muitas vezes, mas o fato é que João “enranzinzou e se rabugentou”. Não perguntei mas ele próprio deixa transparecer esta sensação nas entrelinhas dos seus textos mais recentes.

joao_silverio_Trevisan1 Só se vê novamente o brilho e o incendiário de outrora quando encontramos João, anualmente, em algum lugar nobre da Parada de SP. Sempre prestigiado, lembrado e convidado para o palanque e para os holofotes. Aí João surge quase menino com sua emblemática gravatinha borboleta arco-íris junto com um impecável blaser e uma camisa de tricoline inglesa xadrez. Sua marca registrada.

Naquele instante de verdadeira e poderosa emoção, João volta a ferver. Ele que esteve presente desde a 1ª parada (apenas uma volta tímida, acompanhada de vários camburões à espreita, pelo centro velho de SP com uma dezena de bichas-pingadas,valentes e receosas, ao redor de uma Kombi velha).

João, que sobreviveu por acaso e sorte, à devastação do 1º momento mais violento da AIDS inicialmente chamada de “peste gay”. Ele que já era viado quando o termo nem era conhecido pelo grande público.

Pois é esse João, com o qual às vezes concordo, às vezes me emociono e às vezes me irrito, que é importante ser lido permanentemente. Em um dos seus últimos grandes artigos ele escreveu o texto que faltava sobre o controverso costureiro Clodovil.

Sem condescendências mas com uma visão de quem o viu como personagem importante de nossa própria história João, ao traçar o perfil desta figura muitas vezes patética, revelou numa agudeza de observação rara, que há um pouco de Clodovil em cada gay brasileiro. Mesmo que tentemos a todo custo esconder.

Por isso, e por muito mais, leia João. Ele é a nossa voz.

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