com licença, eu vou à luta (em 17.12.2010 )*

JW1 Jean Willys,1º deputado federal homossexual brasileiro

“ Ontem eu me diplomei deputado federal pelo Psol do Rio de Janeiro. Durante a cerimônia, realizada com pompa no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com a presença das estrelas da política nacional, rememorei minha vida até aqui como se ela fosse um filme. Muitos de vocês sabem que a injúria contra os homossexuais provoca quase sempre estragos irreparáveis à subjetividade ou à alma de uma pessoa.

Agora imaginem essa infância gay combinada à pobreza extrema em que vivíamos na periferia de Alagoinhas, em que sequer água e sanitário havia nas casas de aluguéis em que morávamos… Não bastasse a miséria, e talvez mesmo por conta dela, meu pai enfrentava problemas com alcoolismo e, por isso, não parava nos subempregos que, vez em quando, permitia-lhe trazer comida pra casa. Minha mãe trabalhava como lavadeira para não nos deixar morrer de fome e, para ajudá-la nessa tarefa nobre, eu fui, aos 10 anos, para o mercado de trabalho informal. Trabalhava num turno e estudava em outro. Aos sábados e domingos, eu e meus irmãos nos dedicávamos às atividades do centro comunitário da Baixa da Candeia.

Diante das necessidades, minha mãe queria que a gente abandonasse a escola para se dedicar mais ao trabalho: conseguir uma vaga numa oficina mecânica qualquer ou de cobrador de ônibus. Para ela, era importante que fôssemos honestos e respeitássemos o que era dos outros. Mas, para minha mãe, não era tão importante que a gente estudasse, pois, na cabeça dela, dedicação a estudos era coisa de gente rica. Mas eu sempre gostei de aprender e de ler. Sempre gostei da escola, e para a escola eu ia mesmo nos dias em que não havia absolutamente nada para comer lá em casa, e aos sábados e domingos passava horas na biblioteca da casa paroquial lendo livros.

Livros que me deram valores humanistas e a preocupação com o outro, típicos do cristianismo – sim, porque se, por um lado, o cristianismo fundamentalista e sua ameaça ao Estado laico e de direitos nos apavoram, por outro, é inegável que foi o cristianismo que nos trouxe essa ideia de que o que torna um homem virtuoso são os seus atos, ou seja, para o cristianismo, um ser humano é virtuoso quando age em favor do bem comum; livros que me levaram ao movimento pastoral da Igreja Católica – eu me engajei na pastoral da juventude estudantil e na pastoral da juventude do meio popular – e ao trabalho nas comunidades eclesiais de base. A família de meu pai sempre foi ligada ao candomblé, mas eu só vim me aproximar e me aprofundar nessa religião depois dos 20 anos.

Leitura e livros que me fizeram ver a televisão com outros olhos (televisão que só chegou à minha casa quando eu tinha 11 anos). Livros que me fizeram escapar dos destinos imperfeitos aos quais ainda estão condenados os meninos e meninas dos bolsões de pobreza. Formei-me em informática no ensino médio, numa instituição de excelência voltada para alunos de escolas públicas do Nordeste que estivessem acima da média 8: a Fundação José Carvalho; entrei no mercado formal de trabalho bem remunerado; nesse mesmo ano fiz vestibular para Jornalismo na Ufba, onde me formei; trabalhei anos como jornalista e, depois de concluído o mestrado, passei a me dedicar mais ao ensino superior.

Deixei os anos de miséria para trás (não que eles ainda não me assombrem); fiz a tal mobilidade social sem contar com a ajuda financeira dos meus pais – que, ao contrário, dependiam de mim – nem de apadrinhamentos de qualquer tipo!

Eu, que  poderia ter morrido de fome ou por falta de serviço de saúde público; que poderia ter sumcumbido a uma bala de revólver da polícia ou dos bandidos ou à homofobia que reina nas comunidades, transformei minha vida e a de minha família para melhor. Poderia me contentar com isso e só olhar para frente! Mas, e os que ficaram para trás? Aqueles que, abandonados pelo Estado à própria sorte, não tiveram a força de vontade de resistir e sobreviver à miséria?  E aqueles que ficariam para trás, que estariam fadados a morrer vítimas das guerras de quadrilhas ou nas mãos da polícia, como aconteceu a muitos dos meus colegas da Baixa da Candeia? E aquelas crianças homossexuais que não sobreviveriam ao ambiente de hostilidade homofóbica? Como é possível viver contente se seus semelhantes ainda são vítimas das injustiças? Pode haver gente egoísta no mundo, mas eu não faço parte dela! Ter uma vida confortável, relativamente segura e trabalhar, por meio da educação superior e do jornalismo, pelos direitos humanos, não me impediram de reconhecer que isto ainda é pouco; que eu posso fazer mais para melhorar a vida dos outros e que este muito mais passa necessariamente pela política. Daí eu ter decidido me candidatar a deputado federal. Então, agora que me diplomei, eu lhes digo: com licença, eu vou à luta!

 

* publicado originalmente em

Thumbnail via WebSnapr: http://www.correio24horas.com.br/colunistas/detalhes/artigo/jean-wyllys-com-licenca-vou-a-luta/

3 Respostas to “com licença, eu vou à luta (em 17.12.2010 )*”

  1. Renato Luz Says:

    OS HOMOSSEXUAIS AMAM
    O que pastores entendem? Quem são os evangélicos Crivellas,Malafaias da vida?
    O que pastores entendem de AMOR ao PRÒXIMO?

  2. Olá, adorei a iniciativa desse blog, e outras pessoas deveriam fazer o mesmo, pois é ridiculo este preconceito em pleno século XXI, eu tenho um blog confissoes de adolescentes e somos total contra qualquer tipo de preonceito…
    eu fiz um post dedicado especialmente para quem tbein e contra a HOMOFOBIA.
    segue a gente e deixe o seu comentario no nosso post, é importante que outras vejam que há mais sites com essa iniciativa. Beijos

  3. Seria tão mais facl aceitar ao invés de sair degladiando por aí…Gente, não interessa se o amor é de um homem por um homem ou de um a mulher por outra, o que interessa é que é amor. Com tanta gente fazendo tanta coisa errada por ai vão mexer com quem só quer AMAR, que eu saiba o AMOR NÃO TEM FRONTEIRAS, NAO TEM COR, RAÇA ou RELIGIÃO.

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