Fato 1:
Em 29 de abril de 2009 Jahem Herrera, 11 anos, suicidou-se na Georgia, USA. Embora não tenha sido efetivamente confirmado pelas autoridades, a causa especulada é dramática: injúria por ser gay.
Jahem era perseguido e injuriado na escola diariamente. Queixou-se disto aos “adultos responsáveis”. Nada sucedeu.
Matou-se.
11 anos. Uma criança de 11 anos se matou porque não suportou a violência travestida do quotidiano das “brincadeiras” cruéis.
Fato 2:
Há cerca 20 dias a mãe de um ex-paciente ligou para mim [nem questiono os superpoderes que permitem a descoberta de meus celulares]. Seu sobrinho de 13 anos havia tentado o suicídio: quase amputara o próprio pênis e cortara os pulsos. Sua morte foi evitada por um cartão de crédito esquecido na mesa da sala, que fez sua mãe voltar para casa.
O motivo? Injúrias por ele ser gay. Ofensas verbais, perseguições e violências. De colegas de colégio, com a conivência de professores que dizem “deixam as crianças resolverem isto” quando não falam que “choramingar é coisa de viado”. Do pai, dizendo que ele “só subiria na vida se fosse de costas”. Do primeiro amor, um ex-amigo que, quando soube da homossexualidade, deu-lhe uma surra e disse que ele deveria ter vergonha por ser nojento assim.
Uma nota suicida dolorida e deprimente deixava claro o quanto ele se sentiu errado, feio e ruim por ter frustrado todas as expectativas de pais e amigos por “amar quem não devo”. O quanto ele não queria magoar ninguém, mas “não posso deixar de ser quem eu sou e virar outra pessoa. Só posso deixar de ser”.
Por que ela me ligou? Para que eu atendesse os pais do garoto, para que “eles não ajudassem X a tentar se matar de novo”.
A “nomeação” produz uma conscientização de si mesmo como um “outro” que os outros transformaram em “objeto”.
(…)
A injúria é um ato de linguagem ou uma série de atos de linguagem pela qual um lugar particular é atribuído no mundo àquele que dela é destinatário. (…) A injúria produz efeitos profundos na consciência de um indivíduo pelo que ela diz a ele: “Eu te assimilo a”; “Eu te reduzo a”.
Didier Eribon in Reflexões Sobre a Questão Gay: Humanidade, Sexualidade e Erotismo.
Eu te reduzo a… Tenho poderes sobre sua existência, tenho julgamentos sobre seus desejos, tenho sentenças sobre suas vontades. Impero sobre você e determino o certo e o errado da sua vida.
Água mole em pedra dura… Como em 1984 [George Orwell], de tanto repetir, humilhar, derrotar, quebrar as vontades e esperanças do sujeito, acaba-se por enfiar goela abaixo a “verdade social” que deve ser seguida: 2 + 2 = 5.
Ou, no caso de Jahem e X, “morram suas bichas”.
São humanos, são pessoas, são crianças. Morrem feito moscas e são importantes feito moscas para um bando de “representantes políticos” que acham prioridade assegurar que as igrejas não se sintam constrangidas [pelo PLC 122] no seu direito de ter preconceito.
Moscas…
Durma com um barulho destes.
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O Grito , obra de Edvard Munch (1863 — 1944) |